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Instituto Lixo Zero Brasil

Brasil sem Futuro? Por uma Pedagogia Nacional da Esperança

Rodrigo Sabatini

Rodrigo Sabatini 
Presidente

O Brasil vive hoje um tempo suspenso. Olhamos para trás e encontramos um passado não resolvido, atravessado por ressentimentos históricos — da classe média, da classe trabalhadora, dos homens, dos negros, dos pobres e dos que se julgam esquecidos. Este passado ferido molda nossa identidade coletiva e intoxica o presente. E o futuro? O futuro se tornou um fragmento curto, tático, quase descartável — não passa de dois anos, ou de uma próxima eleição. O presente, então, se torna contínuo, confuso, dominado por urgências e por estratégias de autopreservação. É neste presente estreito que o Congresso Nacional, expressão formal da sociedade, opera: sem visão de país, com lógica imediatista, e dominado por lobbies que garantem privilégios de poucos, em detrimento do futuro de todos. A política deixa de ser construção coletiva e se converte em disputa de instantes. O Brasil parece viver com o espírito de uma vida-lata: improvisado, reciclável, descontinuado.

Essa ausência de projeto futuro tem consequências severas. Sem horizonte comum, as políticas públicas se tornam fragmentadas, desconectadas e incapazes de convocar a sociedade para um esforço compartilhado. A economia opera sob o signo da instabilidade crônica, refém da especulação, da baixa confiança e da falta de propósito produtivo. A população, por sua vez, perde o senso de pertencimento e agência: desconfia da política, desacredita das instituições e não se reconhece como protagonista da história. Quando não há um amanhã pelo qual valha a pena lutar, o hoje se torna apático ou violento. O Brasil, assim, se desfaz como projeto de nação, e se torna apenas uma sucessão de sobrevivências individuais em um território comum.

Em contraste, diversas experiências internacionais mostram o poder mobilizador de um futuro projetado. Nos Estados Unidos, o discurso de John F. Kennedy em 1962 convocou um país inteiro a alcançar a Lua, não apenas como conquista espacial, mas como símbolo de superação coletiva. A antiga União Soviética mobilizou gerações sob a ideia do socialismo científico e do progresso inevitável. Na Coreia do Sul, um pacto nacional orientado para educação, inovação e industrialização transformou um país rural em potência tecnológica. Em Ruanda, após o genocídio, o governo estruturou um plano nacional até 2050 com base em reconciliação, tecnologia e desenvolvimento humano. Em comum, essas experiências mostram que imaginar o futuro não é luxo, é ferramenta de governo — e de emancipação popular.

A China talvez seja o exemplo mais emblemático dessa estratégia. Desde a ascensão de Xi Jinping, o “Sonho Chinês” propõe uma visão de país para 2049, centenário da Revolução Comunista. Esse plano não é apenas econômico ou militar — é cultural, simbólico e pedagógico. A população é educada para se ver como agente de uma longa jornada civilizatória. O Estado usa a ficção científica como ferramenta de comunicação, projetando um futuro desejável onde a China lidera o mundo em inovação, sustentabilidade e ordem. É um processo de futurização que organiza a subjetividade, legitima o poder e alinha os esforços de milhões. Não por coerção apenas, mas por convencimento narrativo.

O Brasil já teve seus momentos de futuro. Nos anos 1950, Juscelino Kubitschek prometeu “50 anos em 5” e convocou o país a construir Brasília — gesto utópico e prático, que redesenhou a geografia e o imaginário nacional. Em Santa Catarina, Celso Ramos implementou o PLAMEG, primeiro plano de metas estadual do país, que reorganizou o orçamento e criou instituições como CELESC, UDESC, BESC e ERUSC. Foram experiências concretas de pactos de futuro, que convocaram a sociedade e deram sentido ao planejamento público. Elas demonstram que o Brasil já soube sonhar — e realizar.

Hoje, o governo do presidente Lula tenta retomar esse caminho. Seu esforço de reconstrução do Estado, de defesa do meio ambiente, de reindustrialização verde e inclusão social sinaliza uma direção de país. Mas há um problema central: o governo parece saber para onde quer ir, mas não consegue comunicar esse destino. As ações presentes não são percebidas como alicerces de um futuro coletivo, mas como gestos isolados, tecnocráticos ou defensivos. Em vez de narrar o futuro, o governo se limita a reagir ao passado ou justificar o presente. Falta pedagogia política. Falta dizer — de forma simples, clara, repetida — que cada escola construída, cada crédito rural ofertado, cada política climática aplicada está conectada a um país que queremos ver nascer. E o povo, sem essa comunicação estruturante, se perde no labirinto da desinformação.

Talvez o maior legado brasileiro para essa discussão venha de Paulo Freire. Sua Pedagogia da Esperança é uma metodologia para construção de futuro a partir do diálogo, da consciência crítica e da ação coletiva. “Esperançar”, para Freire, é verbo ativo: é agir para transformar. Em vez de esperar o futuro, é preciso construí-lo juntos, com os oprimidos e não apesar deles. Uma política verdadeiramente popular e emancipadora deve ser uma pedagogia — onde o povo é sujeito histórico, e não apenas massa administrada.

Por isso, é urgente propor um plano nacional de projeção de futuro, articulado com um plano de comunicação pública de longo prazo. O primeiro passo é diagnóstico: precisamos saber o que os brasileiros pensam sobre o presente e o que esperam do futuro. Quais são seus medos, seus sonhos, suas disponibilidades para contribuir? O segundo passo é reconstruir o imaginário: comunicar esse futuro de forma mobilizadora, usando os meios modernos, as linguagens da juventude, os recursos da cultura e da tecnologia — como faz a China com a ficção científica. Um povo só constrói o que é capaz de imaginar. O Brasil precisa, mais do que um governo, de um novo imaginário de nação. E isso começa hoje, com um pacto de esperança ativa.

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